A trovoada
Uma luz branca
que me ofuscava os olhos
riscava a escura tarde
e a temerosa noite.
Fazia nos céus um desenho
que eu não conhecia na forma das coisas
ao mesmo tempo que um clamor imenso
me assustava.
E por quê,
Se eu era um menino
a quem não era preciso ralhar?
Em Mó de Alabastro, J. N. Pereira Pinto
Chuva
Oferecia meu rosto às chuvas
que vinham das nuvens escuras
ou daquelas cor de cinza
que me escondiam o Sol.
Meus lábios bebiam as manhãs.
Meus cabelos escorriam pérolas.
Minhas mãos colhiam os mares.
E meus pés atravessavam os rios
onde eu ia colocar os meus barcos.
Em Mó de Alabastro, J. N. Pereira Pinto
Teus Olhos
Teus olhos-quietos lagos
marginados de salgueiros
matizados de róseas-pérolas!
Líquido o teu olhar!
Teus olhos-lagos sem margens
nas margens dos meus desejos!
O Tempo dos Desejos Floridos, J. N. Pereira Pinto
(1998)
Rebanho apascentado
Tu sabes, Mãe, que vi saltarem
os cordeiros e os bois pequeninos
e os vi comerem o arco-íris?
E também eles comem
a noite e as estrelas
e bebem os orvalhos das flores?
Em Mó de Alabastro, J. N. Pereira Pinto
TEMPO-EMOÇÃO
Que o tempo se perca no tempo
e que a emoção se fixe
intemporal
e inespecial.
Assim, não ficam no espaço-tempo
o tempo e espaço da emoção
a doerem para o tempo!
Apocalipse, J. N. Pereira Pinto
(1983)
O HOMEM
Um sorriso
um rictus
na face de certo tempo.
Um ponto de angústia estrelar
em noite de certo espaço.
Um aceno
como de estrela cadente
em certo tempo-espaço.
Eis o Homem.
Apocalipse, J. N. Pereira Pinto
(1983)
IRREPETÍVEL
Irrepetível o momento de ser
a emoção de ser
o prazer de ser,
irrepetível a emoção de estremecer a ser
irrepetível a emoção de fruir o ser
irrepetível a beleza de ver o ser
a emoção do porvir do ser.
Irrepetível a emoção de morrer.
Irrepetível o ser de cada momento do Ser.
Apocalipse, J. N. Pereira Pinto
(1983)
ANGÚSTIA
Pergunto à noite ponteada de mistério
por que «é»
e ela queda-se na mudez lucilante da angústia.
E pergunto à madrugada
por que desabrocha
e ela chora no orvalho do seu silêncio.
E pergunto à manhã
por que ri
e ela agoniza no canto da cotovia.
Apocalipse, J. N. Pereira Pinto
(1983)
QUE IMPORTA
Que importa que se distancie o tempo
se na simbiose das coisas
se gera o não tempo
que somente aos deuses pertence?
O Tempo dos Desejos Floridos, J. N. Pereira Pinto
(1988)
EM TI!
Não me sequem meus lábios
nem se me ocultem os astros
que tenho pulsando em meu espaço interior!
Ergam-se as torres e as colinas
e os rios se me encham de algas
que são os tecidos dos meus desejos!
E tudo se quede em êxtase
pela simples essência de ser,
em ti! Em ti!! Em ti!!!
O Tempo dos Desejos Floridos, J. N. Pereira Pinto
(1988)
DESPEDE TUA MÃO DE ALABASTRO
Despede tua mão de alabastro!
E acena-me com teus dedos,
Como se foram cordas de uma lira
tangendo os aromas e os ventos!
O Tempo dos Desejos Floridos, J. N. Pereira Pinto
(1988)