sexta-feira, outubro 31, 2003



A MINHA JANELA

Encosto meu rosto
ao vidro da minha janela.

Contemplo as árvores
e adivinho os ninhos
que têm passaritos a brincar,

e descubro riachos que têm
as margens
com morangos silvestres
e as águas
com barquitos de papel.

Em Mó de Alabastro, J.N. Pereira Pinto
(1992)

O CAVALINHO DE PAPEL

Deixa-me cavalgar
um bocadinho só
em meu cavalinho de pau...

Vou ali, vês, àquela estrela
tão grande que luz além!

Que eu logo venho, Mãe!

Em Mó de Alabastro, J. N. Pereira Pinto
(1992)

quinta-feira, outubro 30, 2003



O BARCO DE PAPEL

Faz-me um barco de papel
e põe-lhe remos e vela,

e leva-me, Pai, ver esse mar
que é grande e fundo
com peixes e sereias
que encantam os meninos.

Em Mó de Alabastro, J. N. Pereira Pinto
(1992)


A CAVALO

Agarrado a crinas de ouro

eu cavalgava - "na andorinha"
- cavalo de fogo e luz -.

E meu pai levava-me
na rota do Sol
que nascia.

Em Mó de Alabastro, J. N. Pereira Pinto
(1992)

quarta-feira, outubro 29, 2003

DÁ-ME O TEU PÃO

Dá-me o teu pão colhido nas searas
balouçantes na noite clara
que eu dou-te a minha sede derramada
nos orvalhos das manhãs vestidas de azul e lilás!

Dá-me o teu pão cozido no forno
das tuas noites mornas
que eu dou-te a minha sede
que verte nas madrugadas vestidas do meu desejo!

Dá-me o pão que amassaste
dos grãos primeiros do teu querer
que eu dou-te a sede que venho mendigando
pelos vales e colinas de todos os meus tempos!

Por Todo o Tempo, José Nuno Pereira Pinto
(1986)

SUFICIENTEMENTE NÃO AMEI

Suficientemente não amei
os frutos os orvalhos o sol
as sombras e os delírios astrais
a ilusão da beleza líquida
a maresia e o matinal perfume
da liquidez das coisas orvalhadas,

nem as melodias que percepciono
as cores odoríferas que envolvem os sons
as rubras corolas e as pétalas lanceoladas
os rumores quietos subjacentes à brisa
que fazem doces as marés das searas,

nem as altas torres do meu pensamento
suficientemente eu amei!

Que me resta senão amar ainda
o que se escapa da agonia das coisas?

Por Todo o Tempo, J. N. Pereira Pinto
(1986)

terça-feira, outubro 28, 2003

VEM

Vem,
quando as madrugadas se vestirem de branco
e os horizontes se matizarem de pétalas!

Vem,
quando as raízes enflorarem
nas copas altas das árvores!

Tu virás, somente,
quando as casas altas da cidade forem girassóis
os candeeiros estrelas
e as ruas vias-lácteas!

Por Todo o Tempo, J. N. Pereira Pinto
(1986)

segunda-feira, outubro 27, 2003

MENINICE I

E vou crescer
como a árvore
até ficar com flores?

E depois vou dar frutos?

E onde lançarei as sementes
que em meu coração
estão a germinar?


MENINICE II

Crescem-me os desejos
como crescem os botões
que depois se fazem flores.

E, quando se transformarão
em frutos
as flores dos meus desejos?


MENINICE III

Meu sangue é seiva da Primavera.

Na ponta dos meus dedos
despontará o trevo,

e na palma de minhas mãos,
vou plantar meu jardim
com cravos rosas e alecrim.


Em Mó de Alabastro, J.N. Pereira Pinto
(1992)

E SE FORMOS COLHER O OSCILAR?

E se formos colher o oscilar
das papoilas e dos pomos de oiro,

e o balouçar dos perfumes que acenam
nos silêncios que se cruzam
quando túrgidos se tornam os aromas?

O Tempo dos Desejos Floridos, J. N. Pereira Pinto
(1988)

VEM POR ENTRE OS DESEJOS FLORIDOS

Vem por entre os floridos desejos
que esta meiga Primavera nos anuncia!

Mas traz em tua mão um ramo de giesta em flor!

E diz-me dos barcos perdidos
que levados pelas auras do Sol-Poente
lançaram âncora no doirado mar!

Diz-me da seiva túrgida e generosa
que fecunda e silenciosa corre
pelos braços e pelos sulcos de todas as coisas!

Diz-me do apelante pólen que tudo penetra
e se agita fecundante nas rubras corolas!

Diz-me das amorosas melodias
que os pássaros soltam gementes
quando o sol se abriga em seu palácio de coral!

E diz-me das cinzentas nuvens
onde os pássaros de fogo fazem ninho
e onde se gera a perenidade dos deuses!

De tudo me dirás, quando se abrir
a silenciosa porta que conduz à recolha
dos apelos que gritam pela eternidade!

O Tempo dos Desejos Floridos, J. N. Pereira Pinto
(1988)

TRICICLO

Tinha três rodas meu cavalo.

E eu galopava na estrada larga
a caminho das estrelas
e dos sóis
que eu via no fim da Rua!

Em Mó de Alabastro, J. N. Pereira Pinto
(1992)